quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Gibis.


Logo quando saí da estação da luz, eu sabia que havia algo estranho, eram cinco deles, guardando a entrada da estação, eu achei estranho porque nunca há tantos deles por lá, mas eles não me viram.

Continuei meu caminho, segui para a integração com o metrô, eles estavam lá, em número de mais sete, eram tantos que até contei, passei rápido, eles me olharam, mas meu andar firme não deu nem chance pra eles.

Agora cheguei ao Tietê, eles nunca estão lá. Erro meu! Logo na saída em número extraordinário, haviam seis, eu sábia que ia acontecer, mas não aconteceu.

Exceto pelo dois que eu não havia visto.
- Você e você encosta na parede.
Eu não havia percebido que eu era um dos vocês.
Ele chamou de novo, eu olhei.
- É você mesmo.
Eu sábia que ia acontecer, desda da hora que vi a concentração deles, o número excepcional que me deixava intrigado.
Encostei na parede, e pensei no horário do ônibus, eu tinha meia hora , então estava tudo bem, eu não ia precisar abrir caminho a força, não desta vez.
Quando um deles começou a me revistar, me veio de subido a cabeça a primeira piada sobre o rídiculo daquela situação. "Assim você me deixa excitado", dizer ou não dizer, não é claro que não, para que arrumar briga com eles...
-RG?
Entreguei. Fiquei aguardando a confirmação. Enquanto aguardava convercei com o outro. O outro parecia ser o bom da dupla.
-Você já vai ser liberado.
-Porque vocês estão em número tão grande por aqui, houve alguma ocorrência??
-Não, é procedimento de rotina no início de ano.
Pensei, é o primeiro ano desse procedimento de rotina então. Só pensei, silêncio de novo. Agora interrogatório.
-Para onde você está indo?
-Para São Carlos, eu estudo lá.
-E você mora onde?
-Eu moro em Mauá.
-Você estuda o que?
-Ciência da Computação.
-Você já usou alguma droga ilícita?
-Não.
-O que tem nessa mochila?
-Roupa.
Menti nessa! Ele olhou os bolsos, achou as revistas da turma da mônica que eu estava escondendo.
-Se eu abrir posso encontrar algo do qual não vou gostar?
-Só se você não gostar de ver as minhas cuecas.
Arrisquei o primeiro gracejo, é sempre arriscado, mas é uma maneira de mostrar que não estou assustado, e que não estou submisso.
Ele não riu, mas também não abriu a bolsa, acreditou em tudo que eu disse.
Obrigado pelo seu tempo, você está livre pra ir.
De nada.
Olhei o relógio, 15 minutos. O outro rapaz também foi liberado, pensaram que nós estavamos juntos, e de certa forma estávamos memo, estávamos juntos por alguns séculos de história.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Eu não estou comovido...

Porque toda vez que acontece um crime hediondo envolvendo menores as pessoas pensam logo no óbvio:

- Isso é um horror, precisamos fazer algo sobre.

Diz a voz das ovelhinha emocionadas e horrorizadas.

Já os cães pastores dizem com seu brado valente:

- Isso é culpa da impunidade, vamos diminuir a idade penal.

E depois todos esquecem. Foi uma decisão inteligente a do congresso de aumentar a pena para as pessoas que são pegas cometendo crimes com apoio de menores. Mas meu ponto é outro. Meu ponto é o seguinte: Há ódio, muito ódio, o que fazer com todo esse ódio que há no coração de muitos adolescentes brasileiros?

Eu não acho que existem pessoas naturalmente boas ou ruins, isso é uma besteira, existem pessoas com valores e sentimentos, isso sim. Também não vou dizer que a criminalidade se apóia na situação precária e na falta de perspectiva que é imposta a muitas pessoas, isso é o que você precisa saber para começar a discutir o assunto. Mas a violência, a violência é diferente, a violência não tem suas bases em necessidades físicas, você não mata uma pessoa com 3 tiros na cabeça porque está com fome, a violência é uma necessidade mental, a violência é uma forma de manifestação de valores e sentimentos, algo abstrato.

Os seres humanos aprendem aquilo que lhes ensinam e a maioria das lições que realmente são aprendidas não estão formalizadas em cartilhas escolares, a maioria do que aprendemos, aprendemos do ambiente, se aprende muito mais convivendo com seus pais do que ouvindo aquilo que eles falam. Não quero dizer com isso que seres humanos são definidos pelo ambiente, não são, mas é sobre o ambiente que ele pensa, e é em relação ao ambiente que ele sente, e é com o ambiente que estão relacionados seus valores e sentimentos. O que diz o ambiente que deixa um corpo sete, oito horas estendido na sarjeta, o que diz o ambiente em que se morre apenas por olhar do jeito errado? Esse ambiente diz que a vida vale pouco. O que diz o ambiente que ignora a existência de outro ser? Diz que esse ser não é nada. Essa é a origem do ódio e do desprezo pela vida.

Algumas pessoas podem pensar que eu estou falando do ambiente das favelas e que por isso o problema são as favelas, tolice, esse ambiente é a sociedade brasileira.A favela é apenas a parte mais visível do ódio e do desprezo que moram no interior da nossa sociedade. A favela é onde as condições impostas tornam o ódio colossal e proeminente, só isso.

Mas quando acontece um crime bárbaro, não vejo ninguém olhando para a gênese da violência, não estou tentando justificar nada, a maçã que está podre, está podre, o que se há de fazer? Porém talvez seja interessante perguntar o que há de se fazer para que outras maçãs não apodreçam, em outras palavras, como dissipar esse ódio? Como eliminar o útero da violência. Não, ninguém está pensando nisso. A televisão não está pensando nisso, a televisão só está pensando em vender emoção, em vender a realidade como um novela, e o noticiário como um filminho de Hollywood, cheio de discursos nobres, sensatos, sensíveis, e que não condizem em nada com a realidade.

O caso do garoto foi assalto seguido de assassinato, acontece todos os dias, a mídia explorou as condições excepcionais desde. Mas é por esse crime que as pessoas que o cometeram devem pagar, num julgamento justo e sóbrio. Justiça não é vingança e não é pessoal, emocional. Justiça é sobre o equilíbrio da sociedade.

Ao invés de procurar uma saída para transformar esse ódio em amor a sociedade e sua “comoção” se afundam mais ainda em ódio e ódio...